Resenha: Prisioneiras, de Drauzio Varella

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Fonte: Companhia das Letras


Voluntário durante onze anos na Penitenciária Feminina da Capital, em São Paulo, Drauzio Varella relata em Prisioneiras, o último volume da trilogia sobre o sistema carcerário brasileiro, a convivência que teve como médico, ouvinte e conselheiro. Em uma leitura fluida e cativante, ele expõe a realidade que muitos brasileiros desconhecem com a empatia da sua profissão e a maestria da sua escrita. Publicado pela Companhia das Letras em 2017, o 13º livro do médico traz como personagens principais as mulheres encarceradas da Penitenciária do Estado, e trata de temas como a convivência entre elas, machismo, as condições do presidio e a atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC) e entre outros.
               A obra é escrita em primeira pessoa e divida em capítulos que se interligam ou não, de uma forma clara, detalhada e sem julgamento.  “Seja bem-vindo à casa das doidas, doutor”. Varella surpreende o leitor ao começar o primeiro subtítulo do exemplar com a frase que ouviu ao entrar nos portões da cadeia. Nos primeiros subtítulos ele explica como funciona a vida dentro do presidio, mostrando de forma simples e real a diferença da hierarquia dos presídios femininos, a divisão de gaiolas, galerias e celas e o barulho feito pelas presas, situando o leitor no ambiente descrito por ele.
                Entre os temas abordados no livro, um que se destaca é o do abandono das presas, abordando questões enraizadas na nossa sociedade machista e patriarcal. Muitas das mulheres são presas por crimes cometidos em favor dos companheiros. Por tentar entrar na cadeia masculina com drogas ou por entrar na vida do crime por influência amorosa. No entanto, quando estão encarceradas, são abandonadas por eles ou pela família. Enquanto as filas dos presídios masculinos são lotadas em dia de visita, na penitenciária feminina é de fazer festa quando uma presa recebe visita constante. “A sociedade é capaz de encarar com alguma complacência a prisão de um parente homem, mas a da mulher envergonha a família inteira”, explica Drauzio Varella no capítulo Solidão. O seu discurso fica ainda mais consolidado quando ele traz personagens que sofrem com esse esquecimento, como a irmã que foi presa por causa do irmão que escondeu cocaína atrás do seu guarda-roupa sem seu consentimento. “Numa das raras visitas que recebeu, a filha perguntou por que razão a mãe visitava todos os fins de semana, em Iaras, a 280 quilômetros de São Paulo, o filho causador de tantos desgostos, enquanto ela cumpria, solitária, uma pena injusta. – Você tem juízo; ele precisa mais de mim – foi a resposta.”
         Outro assunto relatado no livro e que aproxima o leitor da realidade percebida por Varella, durante mais de uma década, é a falta que fazem os filhos para as mães presas e o futuro que eles terão. No caso do homem, o consolo é saber que a mãe dos seus filhos cuidará da prole. Porém, na situação feminina é diferente. Os filhos ficarão com avós, tias, primas ou em responsabilidade do Conselho Tutelar. No livro, temos o exemplo de Suzana, mãe de três filhos mortos por ter entrado na mesma vida de crime da sua progenitora. “Meus meninos foram embora sem a mãe poder rezar um pai-nosso ao lado do caixão”, transcreve o médico a fala da mãe inconsolável.
           Varella é médico cancerologista, formado pela USP e se autodescreve como um escritor que conta histórias que nunca foram contadas. Em seu site oficial, no qual fala sobre o livro ele relata que descobriu os dois tipos de escritores ao ler “On writing” de Ernest Hemingway. No livro, diz que ao escritor de nossos tempos cabem duas alternativas: escrever melhor do que os grandes mestres já falecidos, ou contar histórias que nunca foram contadas.  “Se eu escrevesse melhor do que Machado de Assis, poderia recriar personagens como Dom Casmurro ou descrever com mais poesia o olhar de ressaca de Capitu”, diz Dr. Drauzio Varella. Por isso, restou a alternativa de narrar de forma empática e imparcial o tempo que viveu dentro do presidio. Em Prisioneiras, não há julgamento pelos crimes ou pena pelos relatos, há apenas um ouvinte nato, um médico dedicado e um escritor espetacular, trazendo para os que gostam de ler uma leitura carregada de realidade, personagens e problemas vividos no nosso país.
“Impossível imaginar como eu chegaria aos 73 anos se não fosse a experiência nos presídios, mas sei que saberia menos medicina e desconheceria aspectos da alma humana aos quais só tive acesso porque me dispus a chegar perto daqueles que a sociedade tranca atrás de grades”
 

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