E se?

18:43

Fonte: Google Imagens

      Ela estava à caminho de casa, após um longo dia de trabalho e em um engarrafamento de tirar a paciência de qualquer um, quando aproveitou para pensar um pouco sobre a sua vida. Aos 34 anos de idade ela tinha conseguido tudo que sonhava aos 20. Tinha o emprego dos sonhos, era uma das melhores advogadas do estado. Conseguiu comprar o carro que era seu sonho de consumo, uma Land Rover vermelha. Morava sozinha no próprio apartamento em frente ao mar e tinha até uma filha de quatro patas, Lola.
       Mas ali, naquele banco de couro, ouvindo no rádio simples de coração de Engenheiros do Hawaii no momento em que Humberto cantou "Já perdemos muito tempo brincando de perfeição. Esquecemos o que somos, simples de coração." ela pensou na pergunta na qual tinha tanto medo: "Ela era realmente feliz?".
     Todos os dias o despertador tocava exatamente às 06:00, ela levantava, tomava seu suco e ia correr na praia. Às 08:00 ela já estava em casa se arrumando para ir trabalhar, às 09:20 chegava no trabalho e passava o dia correndo de um lado para o outro resolvendo processos, de fórum em fórum para julgamentos e de escritório em escritório para falar com clientes. Nessa profissão, ela aprendeu a mentir, a esconder suas emoções e a abrir mão dos seus próprios princípios. Defender bandido já não lhe pesava ao deitar a cabeça no travesseiro e seus ideais de certo e errado já não dependiam apenas do seu ponto de vista. E naquele momento, pensando nisso, ela se indagou se não estava errada e se não estava fazendo as coisas erradas.
        Olhando para o seu passado, há 14 anos, para ser mais exata. Ela se via cheia de sonhos, no auge dos seus 20 anos. Queria morar sozinha, acabar a faculdade com honras, fazer pós, viajar o mundo, encontrar um amor e o principal, ser feliz!. Hoje, ela já não tinha a certeza de ter conseguido tudo o que  queria. Ela não se sentia livre e nem feliz como desejava e nem tinha viajado o mundo, como sonhava. Ela apenas quis ter e quanto mais  tinha, mais  queria. E foi esquecendo de ser. Foi abrindo mão. Abrindo mão de um sonho aqui, outro ali. De um sentimento aqui, outro ali. De uma vontade aqui, outra ali. Foi abrindo mão do que  era e assim não se tornou nem de perto a mulher que  sonhava aos 20.
      Ela queria voltar no tempo, voltar naquele dia em que fazia seus planos para lhe dá o simples conselho: Seja você!. Iria dizer para que não ouvisse ninguém. Iria dizer que ela ia querer desistir da faculdade de direito, mas que por ouvir os outros, iria continuar. Iria dizer, que aos 23 ela iria conhecer o amor de um cara  muito especial, que iria tentar lhe alertar que ela não seria feliz do jeito que as coisas iam, mas por ouvir os outros ela iria deixá-lo partir. Iria lhe dizer que aos 25 a oportunidade de um intercâmbio ia aparecer, mas que por ouvir os outros ela não iria ser idiota ao ponto de deixar seu estágio para ir fazer um mochilão. Iria dizer que aos 27 ela defenderia o seu primeiro culpado e ele seria absolvido de um crime que cometeu e que ela se sentiria a pessoa mais errada do mundo, mas por ouvir os outros deixaria aquela besteira de lado e  iria comemorar, afinal, era uma vitória. E por fim, ela queria apenas dizer para si mesma, para não ouvir ninguém. Para ser ela mesma. Ouvir apenas a voz que dizia no seu peito que ela não estava sendo o que queria, estava sendo fragmentos das opiniões alheias.
       E que mais na frente ela iria perceber em um engarrafamento voltando do trabalho, que apesar de ter tudo ela não era feliz. E naquele momento, ela se arrependeu de não ter sido esperta o suficiente para perceber tudo isso antes. Ou de não ter esse super poder de voltar no tempo e lhe aconselhar, mais madura e mais vívida. E se perdendo nesses pensamentos o engarrafamento passou, aquela reflexão de vida que acabará de ter, parece que também. Pois, ela errou em achar que só poderia mudar sua realidade se tivesse esse tal poder de se auto-aconselhar  e errou mais ainda em achar que estava tarde demais para consertar tudo o que fez. E mais uma vez, ela deixou a oportunidade de ser feliz lá trás, presa naquela música e naquele engarrafamento. E seguiu o sinal verde da sua utópica vida e felicidade. 

You Might Also Like

2 comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Olá, Larissa. Tudo bem?
    Que eu gosto da sua escrita, não é nenhuma novidade. Mas esse foi um dos seus textos que eu mais gostei. Tenho uma dificuldade imensa em escrever ou ler textos, contos e até mesmo livros escritos em terceira pessoa; com seu texto foi totalmente o contrário, eu me senti rapidamente incluído no cenário, personagem e sentimento do livro. Acredito que os demais leitores também sentirão o mesmo. Afinal, todos nós já nos questionamos: "E se".

    Até mais: http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir

Popular Posts

Instagram