Concluindo a vida
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Fonte: Google imagens. |
Tinha ido ao médico e enquanto aguardava na sala de espera uma senhora sentou-se ao meu lado. Após algum tempo, começamos a conversar. Começamos falando sobre coisas banais como o calor que estava fazendo, a demora e como o médico era atencioso. Após alguns minutos dessa conversa, ela começou a me contar sobre a sua vida e me disse que durante seus 68 anos ela tinha tido uma vida feliz e que nunca havia duvidado de Deus ou reclamado de tudo que lhe havia acontecido, até dois meses atrás. Ela me contou que nasceu no interior do Ceará e que era a quinta de treze filhos de um casal de cortadores de cana e que mesmo com tantas bocas para alimentar, havia sido feliz. Ela começou a trabalhar com apenas 7 anos,mas, ao se lembrar da infância, recordava dos momentos bons e das brincadeiras ao lado dos irmãos. Me sorrindo de forma graciosa ao se lembrar dessa cena.
Me contou, também, que aos 13 anos sua vida mudou completamente. Ela iria se casar com um cara que só conhecia de vista, mas que lhe prometera uma vida melhor do que aquela. E assim aconteceu, ela casou-se aos 14 com o filho do padeiro. Apesar de não conhecê-lo o suficiente,contou -me que se apaixonar foi a coisa mais fácil do mundo. E que após alguns meses de casamento, ela já estava completamente louca por ele e esperando o seu primeiro filho. Me revelou que todos os dias agradecia pelo marido atencioso, romântico e dedicado que aprendeu a amar, pela vida de dona de casa, de mãe e pelo pedacinho de terra que tinham para plantar e colher. Disse-me que criou 10 filhos, 4 meninos e 6 meninas, com tamanha dedicação e zelo que nenhum deu para vida errada.
Contou-me que aos 45 teve uma pneumonia que lhe deixou a beira da morte e que viu o seu "véio" chorar pela primeira vez. Seus olhos, assim me disse, revelavam o medo de perder o seu grande amor. E foi na sua tristeza que ela conseguiu pedir forças a Deus, deixando aquele hospital após algum tempo de sofrimento. Depois desse acontecimento,ela se mudou com a família para Pernambuco e pude ver em sua face a felicidade que aquela recordação lhe trazia. Relatou que viu o mar e andou em um shopping pela primeira vez e tamanha foi a sua alegria.
Logo após, vinheram os netos e o pesar da idade. Ela e seu véio não tinham mais a mesma disposição, mas o amor que sentiam um pelo outro só fazia aumentar. Até que o seu mundo, tranquilo e seguro, começou a se desmoronar. Eles descobriram que ele estava com câncer. "Justo essa maldita doença", me disse a senhora. Ela me falou que a única coisa que conseguia fazer era chorar e pedir a Deus para que não levasse-o embora. Pois, depois de quase 54 anos de casamento ela não sabia mais como seria a vida sem ele. Depois da descoberta, começaram os problemas. Ele não queria nenhum tipo de tratamento e ela sofria a cada investida falha de tentar lhe curar.
Após muita luta, ela me disse que ele aceitou fazer a quimioterapia, mas com uma condição. Se ele morresse, ela seguiria sua vida normalmente. Quando me disse isso, ela olhou-me com tristeza e me perguntou. "Como eu iria viver normalmente, minha filha? Se ele morresse, metade de mim morreria também. Mesmo assim concordei, tudo valeria a pena se o tratamento ajudasse." Ela o acompanhou em cada sessão, em cada mal-estar e principalmente no dia de sua melhora. Quando ela me contou, logo me alegrei, apesar de notar que a dor na sua fala só aumentava. E tola indaguei "Mas ele melhorou, não foi?" E ela prosseguiu. "Minha jovem, me senti a mulher mais tola do mundo ao acreditar naquele dia ensolarado que ele estava melhorando." Continuei ouvindo atentamente ela dizendo que naquele dia ele acordou feliz e pediu que ela fizesse um almoço especial, ligou para os filhos e netos, foi ao jardim cuidar de suas plantinhas, ligou para alguns amigos e ao final do dia olhou em seus olhos e falou que ela foi a melhor coisa que havia lhe acontecido, que ele era grato por cada segundo compartilhado ao seu lado e que ela fizera ele descobrir o que era o amor. Nesse momento não contive minhas lágrimas pois algo me dizia o que viria a seguir. Ela assim como eu, deixou algumas lágrimas rolarem. Mesmo assim, continuou. "Dormimos felizes e abraçadinhos e eu agradeci a Deus em silêncio pela a sua melhora. O dia nem tinha amanhecido quando acordei com ele segurando forte em meu braço e me dizendo que não aguentava mais. A dor em seus olhos eram tão grandes que implorei pelo fim da sua agonia, logo eu, que era tão egoísta e queria ele só para mim."
Depois de ouvir toda essa história eu não estava preparada para saber o seu fim e nem ela estava para vivenciar novamente com detalhes aquela dolorosa perda. Por isso, ela seguiu me dizendo que já fazia dois meses que a sua vida já não tinha mais sentindo. E que após perder a mãe, o pai e diversos irmãos, perder o seu companheiro de vida fez com que ela duvidasse que houvesse algum propósito em nascer, crescer, reproduzir e morrer. E que todas as noites sofre com a ausência do marido. Mas que hoje ela percebe que a dor só não é maior porque ela tem a plena certeza de que fez os dias ao lado do amado valerem a pena. E que lhe entregou todo amor possível que havia em si. E que esse sentimento de amor compartilhado e mútuo é o único que faz a dor da perda ser amenizada. Ao ouvir essa história, sai do consultório com um aperto no coração e a certeza de que a dor da perda é inevitável e que nunca estamos preparados para dizermos adeus. Porém, que o luto só é maior quando sabemos que poderíamos ter feito mais. Ter amado mais, se doado mais, demonstrado mais... Que o problema é o "mais". Pois, quando se tem certeza que se fez o possível e o impossível para esse "mais" ser substituído por "tudo" a morte é só a conclusão de uma linda história.
Depois de ouvir toda essa história eu não estava preparada para saber o seu fim e nem ela estava para vivenciar novamente com detalhes aquela dolorosa perda. Por isso, ela seguiu me dizendo que já fazia dois meses que a sua vida já não tinha mais sentindo. E que após perder a mãe, o pai e diversos irmãos, perder o seu companheiro de vida fez com que ela duvidasse que houvesse algum propósito em nascer, crescer, reproduzir e morrer. E que todas as noites sofre com a ausência do marido. Mas que hoje ela percebe que a dor só não é maior porque ela tem a plena certeza de que fez os dias ao lado do amado valerem a pena. E que lhe entregou todo amor possível que havia em si. E que esse sentimento de amor compartilhado e mútuo é o único que faz a dor da perda ser amenizada. Ao ouvir essa história, sai do consultório com um aperto no coração e a certeza de que a dor da perda é inevitável e que nunca estamos preparados para dizermos adeus. Porém, que o luto só é maior quando sabemos que poderíamos ter feito mais. Ter amado mais, se doado mais, demonstrado mais... Que o problema é o "mais". Pois, quando se tem certeza que se fez o possível e o impossível para esse "mais" ser substituído por "tudo" a morte é só a conclusão de uma linda história.
2 comentários
Olá!
ResponderExcluirEu adorei o texto e fiquei muito emocionado, mais ainda porque tenho uma queda por histórias de amor.
A história desse casal foi linda e, apesar da perda, eles se amaram até o ultimo suspiro dele. Acho isso lindo.
Abraço!
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